
São tantos os filmes vistos e que eu gostaria de refletir mais aprofundadamente a respeito, que eu fico até zonzo diante de qual escolher. E aí se junta a uma fase um tanto diferente da minha vida que me chama também para resolver coisas práticas, situações familiares e de organização de minha vida presente e futura. Mas aproveito esta tarde de domingo para escrever um pouco sobre este filme que me deixou particularmente intrigado. Serve tanto para pensarmos o olhar feminino sobre o desejo sexual, como também sobre nossas próprias expectativas quanto ao erotismo, que durante muito tempo foi produzido e idealizado quase que exclusivamente pelos homens. O que não quer dizer que eu tenha mudado minha relação com BABYGIRL, de Halina Reijn, que continuo achando um filme constrangedor em muitos aspectos.
Já EMMANUELLE (2024), de Audrey Diwan, já vejo de outra maneira. A intenção da diretora do soco no estômago chamado O ACONTECIMENTO (2021) talvez nem seja fazer um filme erótico. Ou melhor, não como aquele lá de 1974, de Justin Jaeckin, que supostamente teria servido de base para a realização deste novo, pelo olhar de uma cineasta feminista e com interesse em discutir temas não apenas contemporâneos, mas urgentes e necessários. Sendo que o filme de Diwan é muito distinto, sem falar que não tem interesse em promover tanto a exploração do corpo feminino, o que para alguns expectadores pode ser frustrante, mas hoje em dia vivemos noutro tempo: com nudez e erotismo na palma da mão (me refiro ao celular, para deixar claro). Então, falta de opção para ver o sexo fora do cinema não falta.
Se O ACONTECIMENTO tratou do aborto de maneira chocante, urgente e humanista, em EMMANUELLE a cineasta trata do desejo de uma mulher, e faz isso com muita elegância e com sequências até intrigantes, como a cena da falta de energia no hotel ocasionada por uma tempestade. Essa cena me fez pensar sua importância no contexto do filme como um todo, mas é uma das melhores e uma das que mais pode trazer simbolismos sobre as aflições dessa mulher, vivida por Noémie Merlant, atriz mais lembrada pelo ótimo RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS, de outra cineasta contemporânea que soube explorar muito bem o erotismo, Céline Sciamma.
EMMANUELLE é um filme claramente de blocos. Começa com a cena no avião, com a heroína sentindo atração por um passageiro ao lado e criando uma fantasia sexual dentro do toalete da aeronave; depois há as várias cenas no hotel em Hong Kong, as conversas com a gerente, vivida por Naomi Watts, os encontros com a jovem garota de programa (Chacha Huang) que usa o lugar com a permissão não declarada dos gestores do hotel, com as conversas com o homem misterioso por quem ela se sente atraída (Will Sharp). E é com este homem que acontecerá a cena mais interessante, inclusive do ponto de vista erótico, do filme.
Audrey Diwan pode até nunca mais fazer uma obra tão poderosa quanto O ACONTECIMENTO, mas recebi esta sua reinvenção de EMMANUELLE de peito aberto, possivelmente já considerando que o tipo de erotismo apresentado é de outra natureza: menos gráfico, menos exploratório, como era de se esperar, mas não menos interessante se o aceitarmos como ele é e não como gostaríamos que fosse.
Trata-de um filme sobre a solidão de uma mulher, de sua frustração com as amarras de sua vida de fiscalizadora de hotéis de luxo e de seu encontro com um homem que lida com o desejo de forma diferente dela. E é a relação que se constrói entre eles que torna a última terça parte do filme especial, com pelo menos uma cena que muito provavelmente será uma das mais lembradas do ano. Sem falar que eu adoro o jeito como o filme termina, como numa provocação inteligente para o cinema pornô de olhar e interesse muito mais masculino.
+ TRÊS FILMES
AS AVENTURAS DE UMA FRANCESA NA COREIA (Yeohaengjaui Pilyo)
Desde A MULHER QUE FUGIU (2020) que não víamos um filme do Hong Sang-soo em nosso circuito. Acho que o problema é que as distribuidoras não conseguem acompanhar o seu ritmo: desde A MULHER... foram seis longas e dois curtas até chegar neste AS AVENTURAS DE UMA FRANCESA NA COREIA (2024), que acredito que só tenha sido adquirido pela distribuidora brasileira por causa da presença de Isabelle Huppert. E gosto do filme, mas é também possível entender o cansaço de ver suas repetições (tanto a repetição de ideias quanto de estrutura). E o interessante é que gosto do filme enquanto ele trabalha de maneira mais explícita com essas repetições. Quando chega a mãe de um dos personagens e bagunça a ordem do que estava sendo mostrado, deixei de me interessar tanto assim. Interessante como Sang-soo gosta de mostrar os coreanos como pessoas idiotas frente a um estrangeiro ou pelo menos a uma mulher bonita, como a Huppert. O filme trata da dificuldade de expor seus sentimentos e isso fica ainda mais claro quando se tenta fazer isso através de uma língua estrangeira de pouco domínio. Cada vez que Huppert pega o caderninho para escrever sua tradução do que a pessoa falou ela escreve de forma mais aprofundada, já que escreve com sua língua materna. O inglês aqui é língua franca, mas uma língua que também provoca confusão entre os falantes, caso de quando a personagem de Huppert não entende o significado de guinea pig.
SIDONIE NO JAPÃO (Sidonie au Japon)
Da série "não sei se conto como visto, por causa do sono", SIDONIE NO JAPÃO (2023), de Élise Girard, filme curioso estrelado por Isabelle Huppert não me pegou no melhor momento do dia. Ainda assim, deixo registrado, por mais que até sonhos meus tenham se misturado com a história desta escritora que parou de escrever, mas aceita o convite para estar presente em uma reedição de seu primeiro livro no Japão. Enquanto aprecia a cultura nipônica, ela é constantemente visitada pelo fantasma de seu falecido marido. Trata-se de um filme sobre mortes e renascimentos, mas principalmente mortes, já que o próprio Japão é um país que cresce à sombra (e sob a proteção) de seus antepassados.
LISPECTORANTE
Este é o quinto longa-metragem de Renata Pinheiro. Só havia visto dela o simpático AMOR, PLÁSTICO E BARULHO (2013), o bom terror psicológico AÇÚCAR (2017), coassinado por Sérgio Oliveira, principal diretor, e CARRO REI (2021), filme premiado, mas que está bem longe de ter me ganhado. Então, não sabia muito o que esperar desse drama estrelado por Marcélia Cartaxo. Na verdade (e infelizmente), ela segue em LISPECTORANTE (2024) o caminho de CARRO REI, até mesmo com uma cena que lembra uma sci-fi de baixo orçamento. Achei bem difícil me envolver com a história de Glória (Cartaxo), mulher recém-separada que volta para a casa da família e vê que sua tia está sofrendo os maus tratos de um homem também da família (Tavinho Teixeira). Ao mesmo tempo, ela começa a se envolver afetivamente com um sujeito que mora na rua e vive de vender artesanato estilo hippie. Pra mim o filme funciona pouco nas cenas das relações humanas e funciona menos ainda quando experimenta um registro mais surrealista ou algo parecido. Quanto a Clarice Lispector, explicitamente há muito pouco dela.