terça-feira, agosto 15, 2006

O BEIJO NO ASFALTO



Bruno Barreto hoje faz parte daquela turma de cineastas brasileiros mal vistos ou desprezados pela crítica. Talvez por fazer um tipo de cinema mais tradicional, mais clássico. Seus filmes não contam com inovações estéticas ou algo do gênero, mas são todos (ou quase todos) muito bem conduzidos. O BEIJO NO ASFALTO (1981) é um dos melhores exemplares. Trata-se de uma adaptação de uma peça de Nelson Rodrigues que se diferencia bastante das adaptações feitas por Arnaldo Jabor (TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA, O CASAMENTO), por Neville D'Almeida (A DAMA DO LOTAÇÃO, OS SETE GATINHOS) ou por Braz Chediak (BONITINHA MAS ORDINÁRIA). Seu filme é mais "organizado", menos anárquico que os trabalhos de seus colegas. Não tem o aparente desleixo dos filmes de Chediak ou de Neville.

Mesmo assim, não dá pra dizer que O BEIJO NO ASFALTO é um filme certinho, até por ser uma adaptação de uma peça das mais conhecidas de Rodrigues e não poder fugir do enredo. Independente do texto de Rodrigues, há até uma cena de nudez gratuita de Lídia Brondi tomando banho, que seria cortada ou diminuida numa adaptação mais recente. Sem falar na controversa cena de Christiane Torloni sendo abusada sexualmente pelo jornalista interpretado por Daniel Filho e o delegado corrupto.

Porém, a força do filme está mesmo no drama de Arandir, o personagem de Ney Latorraca, que é perseguido pela imprensa e pela sociedade por ter beijado um homem na boca, enquanto o mesmo agonizava no asfalto. Apesar de o preconceito contra os homossexuais ainda existir, visto hoje, O BEIJO NO ASFALTO se parece mais com um pesadelo, tal o absurdo das situações apresentadas. Ainda assim, é possível que a sociedade da época de Rodrigues fosse daquele jeito mesmo e o filme soe apenas anacrônico nos dias de hoje.

Como é comum nos filmes baseados em peças do dramaturgo, há um humor negro que garante a diversão. A cena final, com a revelação de Tarcísio Meira, é dessas que arrancam gargalhadas, tal o tom novelesco e absurdo. Como no final de TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA. Nelson mexia com psicologismos, mas ao mesmo tempo parecia não levar muito a sério a ciência de Freud. Nelson Rodrigues era único.

Gravado da Globo.

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